O QUE É MULTICULTURALISMO?
O Multiculturalismo, embora polissêmico, pode ser compreendido como uma corrente teórica que se propõe a tratar da diversidade cultural em sua completude, isto é, pensar a construção histórica das identidades, significados, pré-conceitos, diferenças e discriminações, para assim poder descolonizar discursos produzidos pelos grupos que têm poder de fixar valores e juízos sobre as produções culturais.
MULTICULTURALISMO FOLCLORIZADO
Na atualidade, tem sido bastante frequente a tentativa de se pensar o Multiculturalismo no âmbito curricular nas escolas brasileiras. Todavia, a depender da filiação teórica, ideológica o trato desse tema pode resultar numa folclorização das culturas, tratando a diversidade cultural como elemento exótico a ser exposto em feiras livres sem a prévia contextualização que acabam por homogeneizar identidades e diferenças. Exemplo disso, vale lembrar a tradicional “comemoração” ao dia do Índio, que na quase totalidade das escolas desprezam a diversidade e particularidades das diversas tribos indígenas reduzindo-os a caracterizações ridículas que pouco ou nada contribuem para pensar as demandas indígenas em nome de uma suposta apreciação da riqueza cultural desses povos.
MULTICULTURALISMO CRÍTICO
O multiculturalismo crítico pós-colonialista vai além do pensar a diversidade cultural e identitária para poder por em questão os processos discursivo criadores de tais identidades. Essa perspectiva questiona a construção histórica dos preconceitos, discriminações de raça, gênero, religião, cultura etc. Isso possibilita a descolonização de discursos que historicamente foram baseados numa perspectiva ocidental, heteronormativa e branca. No limite, propõe a desconstrução e desnaturalização de noções racistas, sexistas, xenofóbicas que pautam discursos na atualidade ferindo o direito à diferença e diversidade.
O trabalho curricular que adota essa perspectiva de multiculturalismo tem um mundo infinito de possibilidades conceituais, filosóficas, sociológicas e antropológicas que questionam padrões, hierarquizações culturais, buscando a identificação de vozes silenciadas e subalternizadas na história. O multiculturalismo crítico repudia a existência de datas comemorativas como dia da “consciência negra”, do Índio. Tais práticas, quase sempre, apenas produzem a exotificação e segregação de tais grupos, sem que, de fato, se atinja os objetivos previstos com a conscientização.
LIMITES DO MULTICULTURALISMO
Cumpre ressaltar que reconhecer e valorizar a diversidade cultural, ideológica, não significa, como bem relembra Ana Canen, cair num “vale tudo, um relativismo total em que quaisquer valores sejam aceitos de forma a-crítica”. Significa, antes, dialogar com valores éticos e morais, de preservação à vida e à existência do outro. Esse limite imposto a algumas compreensões errôneas do que seja, de fato, o multiculturalismo é brilhantemente exposto no poema de Pedro Lyra, doutor em Poética e professor da UFRJ. Sugerimos a leitura atenta do primoroso poema “Multiculturalismo”:
“Multiculturalismo
Os povos
(e suas culturas)
são muito diversificados
e é preciso conviver com as diferenças.
Ele vem de uma tribo poligâmica
onde todos são de todos e não existe amor.
Traz os seus valores e você o acolhe em casa.
Alta madrugada, ele chama a sua mulher.
É a cultura dele.
– Você concorda?
Outro vem de uma tribo antropofágica
onde se deglute o capturado para a celebração.
Chega com alguns recursos e abre um restaurante.
No cardápio, seios de virgem fritos ao molho imperial.
É a cultura dele.
– Você é servido?
Outro vem de uma tribo milenária
onde se sangra criança em oferenda aos deuses.
Ele pega a sua filha, a sua, na saída da escola
e a arrasta para o sagrado terreiro dos sacrifícios.
É a cultura dele.
– Você acompanha?
Outro vem de uma tribo patriarcal
onde se mutila a menina à sombra das tentações.
Ele convoca a sua irmã, na caída da noite,
para o solene ritual da consagração.
É a cultura dele.
– Você aprova?
Outro vem de uma tribo misógina
onde as mulheres apenas cumprem o dever de existir.
Não têm rosto, não têm sexo, e se alguma responde à natureza
é contemplada de público com dezenas de pedradas.
É a cultura dele.
– Você atira a segunda?
Outro vem de uma tribo autoconcêntrica
onde o programa limita a renda a uma ração diária.
Descreve os seus métodos e lhe sugere uma campanha
garantindo que todos serão assim igualmente felizes.
É a cultura dele.
– Você adota?
Outro vem de uma tribo monolítica,
onde o governo administra os desejos das pessoas.
Ele aporta sorridente, com promessas de bem-aventurança,
e lhe propõe uma aliança para a universalização da empreitada.
É a cultura dele.
– Você adere?
O último vem de uma tribo eclesiástica
onde não se admite uma outra crença.
Ele confina o apóstata numa jaula de ferro
e banha o seu corpo com as chamas da sua ardente fé.
É a cultura dele.
– Você assiste?
Sim – é preciso conviver com as diferenças.
Mais – é preciso avaliar as diferenças,
as químicas reações na arena desse complexo caleidoscópio.
Que cada um se esparrame como puder
– em sua casa.
(A nossa tribo pode ser o mundo.
Mas o mundo não é a nossa tribo.)
Pedro Lyra”.
Fábio Guimarães de Castro
Referências Bibliográfias
CANEN, Ana. O multiculturalismo e seus dilemas: implicações na educação. Comunicação e Política, v25, n2.
CARNEIRO, Fernanda Sampaio. Multiculturalismo, fantástico poema de Pedro Lyra. Acesso em: https://ift.tt/31RWmj2. 2015.
IMAGEM: Blog Maxi Educa.
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